segunda-feira, 23 de maio de 2011

O que Águas do Mel tem que não é doce?



Quem poderia dizer que Machado de Assis pudesse ter reescrito um caso de adultério, parecido com os seus costumeiros nas principais obras por ele publicadas, numa pequena cidade do Rio Grande do Sul.  Em Águas do Mel viviam, tranquilamente, duas famílias, ambas com casal e dois filhos. Melina era uma linda garota do casal Adriano e Vera. Marquito era um garoto, cheio de vida, filho de Arthur e Adelaide. Melina e Marquito frequentavam juntos à mesma escola e passavam o domingo à tarde jogando vôlei com os demais colegas. Poderiam ate parecer um casal perfeito, se vistos pelo lado tão cordial e amigável como se tratavam.
Tudo corria às mil maravilhas até que um jovem, já com seus dezoito anos, chegou à cidade, vindo do Planalto Médio, com a finalidade de trabalhar numa casa comercial de um parente instalada já há muitos anos nessa localidade. Ele também era muito vistoso e, poder-se-ia dizer, com panca de conquistador. Deolino era o nome daquele que estaria prometendo muito.
Passaram-se dois anos e os pais de Marquito compraram terras em Santa Catariana, para onde foi morar, deixando uma parte das terras na localidade, só mato fechado, sem vender. Certamente, houve uma despedida e os dois, e um olhar profundo e cativante calou forte nos corações de Marquito e Melina. Mas seria apenas um sentimento que nem, eles poderiam saber onde pudesse chegar.
Deolino, além de trabalhar e fazer sua vida, frequentando festas, bailes e outras diversões, começou a olhar para Melina com olhos de quem estivesse realmente se apaixonando, ela sempre mais linda, cortejada por outros rapazes também. Deolino conseguiu um lugar no time de vôlei. Era tudo o que ele pedia a Deus. Amigo de todos, mas sempre prestando uma gentileza a mais e um olhar cativante para Melina. Isso acontecia com calma e discretamente, pois as posturas da sociedade o exigiam.
Chegou o dia em que deu tudo certo, numa festa de igreja da comunidade, momento e local onde aconteciam muitos inícios de romances, os dois, Melina e Deolino, decidiram uma aproximação mais séria e determinaram um início de namoro, projetando para uma aproximação mais séria no baile à noite. Deu tudo certo, dançaram, conversaram e, o melhor, com aprovação do seu Arthur e dona Adelaide, que estavam presentes no baile.
Quase um ano de namoro, vôlei, festas, bailes, de mãos dadas e com algum beijinho discreto, exigências sociais da época. Parecia estar tudo tão certo a ponto de ter a impressão que mais um caso Romeu e Julieta seria escrito entre os pombinhos namoradinhos. Aconteceu que, na empresa onde trabalhava Deolino, havia necessidade de contratar um motorista que viajasse para São Paulo e Rio de Janeiro. Ele aceitou o novo emprego a começou a viajar, levando cereais para as cidades citadas. Eram viagens de quinze dias ou, até, um mês, visto que ia com carga e depois procurava outros fretes para ganhar a volta.
Sem menos querer ou pedir para que acontecesse, num evento importante de Águas do Mel, volta a passeio Marquito, aproveitando para visitar os tios e avós que continuavam morando na cidade.  Sem muito procurar, Marquito avista a linda Melina e o coração bateu muito forte como que estivesse sentindo que a amizade da infância e adolescência foi muito forte e teria sido o início de um grande amor que poderia acontecer entre os dois.
Melina também, ao ver Marquito, sentiu algo especial e começou a colocar em dúvida qual seria a profundidade do namoro com Deolino e, cada vez mais, pelo fato dele estar viajando muito, parecendo esfriar e deixar lugar para outras atitudes. Sabia Melina que havia uma senhora muito famosa, alguns até a chamava de benzedeira, e que lia mãos e cartas, uma verdadeira cartomante. Decidiu, Melina, aproveitando a ausência de Deolino, ir até a cartomante.
- Bom dia, minha filha! O que te traz até aqui?
- Ah!... Estou um pouco confusa com relação aos meus sentimentos e ao meu futuro.
- Minha filha, jogando as cartas, se concentrando e olhando firmemente para Melina, vejo que você vai ter que passar por momentos muito difíceis, parece estar no teu caminho uma tragédia. Reflita sobre tuas ações e tom e muito cuidado.
No caminho para casa, por pura coincidência ou sorte, isso só o tempo iria confirmar, Melina encontra-se com Marquito. Foi um olhar profundo, calando até o mais seguro dos sentimentos verdadeiros. Entreolharam-se.  Um bom dia. Um abraço e um discreto beijinho na face. Foram caminhando lado a lado até chegar à frente da casa de Melina. Foi quando Marquito não perdeu mais tempo, disse a Melina que estava de volta e revivendo tudo o que parecia fantasia na adolescência, que agora ela tem como um sentimento muito forte de amor e paixão e estaria pedindo para que ela aceitasse começar um namoro sério com ele.
Melina, que também tinha um sentimento especial para Deolino e estaria, inclusive, comprometida, por estar namorando e, ao mesmo tempo, confusa consigo mesma, pelas palavras da cartomante, ficou sem dar resposta embasbacando algumas palavras dizendo que não estava preparada para tal surpresa e que não poderia dar uma resposta na hora.
Marquito voltou para Santa Catarina não se dando por vencido e escrevia uma carta de poucos em poucos dias para Melina. Melina foi entrando na ideia de que Marquito seria mesmo o grande amor dela. Começou a marcar encontros nos intervalos em que Deolino sairia viajar e esfriando sempre mais o sentimento de amor para com o viajante e se aproximando sempre mais de Marquito.
Alguns meses depois, Melina recebe Deolino, vindo de uma viagem de mais de quarenta dias, e decide terminar com o namoro. Ela já estava quase noivando com Marquito. Deolino não gostou de nada do que estava acontecendo, saiu triste e disse que, se ele ficasse sabendo de alguma coisa acontecida na sua ausência, não iria ficar por isso, lavaria toda sua honra, seja da maneira que pudesse acontecer.
Marquito, feliz e vitorioso, logo tratou de marcar noivado e uma data provável de casamento. Deolino, com isso tudo e com alguns desentendimentos profissionais com a empresa, decidiu voltar para sua cidade de origem, cidade do Alto Taquari.
Marquito, ligado à agricultura voltou para Águas do Mel, casou com Melina. Viviam muito bem. Tiveram três lindos filhos. Talvez tudo poderia ter sido diferente se a volta de Deolino para a cidade não tivesse acontecido. Deolino voltou com uma empresa de mineração para explorar a extração de pedras semipreciosas. Deolino também já casado, com dois filhos. Morava há Poucas quadras de Marquito.
Numa tarde de verão, o sol quase se pondo, num restaurante próximo ao centro, na época denominada de “bodega”, onde muitos se reuniam no final da tarde para o que hoje chamamos “Happy hour”, estava Marquito conversando com amigos e, sem saber do que estava por vir ainda, entra Deolino, observa tudo, reconhece Marquito e... se aproxima...
- Boa tarde senhores e pra você, Marquito, Booaaa Noiiiteee! Dispara um tiro no lado esquerdo do peito Marquito cai como morto no chão, ficando imóvel. Deolino, não estando satisfeito, olha para Marquito, imóvel, morto e diz: vou botar o cano do meu revólver na boca e te fazer engolir uma bala para que morra comendo chumbo.
Todos os presentes assustados e com medo ficaram só observando quietos. Deolino saiu porta a fora desafiando e dizendo que iria procurar aquela que o deixou por causa do vagabundo defunto. Não teve tempo para tanto porque há poucas quadras estava a delegacia de polícia, chegaram imediatamente e o prenderam.
Socorreram Marquito, levando-o para o hospital, onde foi imediatamente atendido. Teve toda a sorte do mundo e a viveza que ninguém teria pensado em ter. O tiro não atingiu o coração. Ele se fez de morto. E o tiro na boca saiu pelo lado da bochecha, não sendo fatal. Deolino, ao ficar sabendo, não se conformou e prometeu que um dia ainda faria justiça com as próprias mãos. Deolino cumpriu sua pena na prisão, tendo sido muito curta, por ter contratado um advogado alegando legítima defesa. Agora, Deolino, está morando num destes recantos dos Pampas do Rio Grande do Sul. Marquito foi provavelmente para uma terra bem longe, Norte do Brasil.
Esperamos que o caso não tenha um novo desfecho.
                                 Sobradinho, 23 de maio de 2011.
                                                                       Diana e Nadir

Um comentário:

  1. Parodiando Machado de Assis, trazendo para o século vinte, uma história que envolve amor, traição e adultério. Um final inexperado e diferente.
    Nadir

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